por Rev. Charles Augustine, comentário sobre o novo Código de Direito Canônico, 1922.
É bastante natural que uma sociedade que afirma ser a única Igreja instituída por Cristo, tenha o dever de ser a primeira a dirigir sua pena contra crimes que subvertem os seus próprios fundamentos, isto é, a fé divina e católica. A crença na missão divina e nos dogmas da Igreja é atacada e destruída pela apostasia, heresia e cisma, aos quais devem ser acrescentadas todas as suspeitas expressas publicamente e a negação de proposições que, embora não sejam formalmente dogmas, estão intimamente ligadas ao depósito da fé.
Um especial perigo para a fé surge da leitura de escritos que atacam a Igreja e os seus ensinamentos. Finalmente, a prática da fé é relaxada, e a própria fé é posta em perigo, por relações demasiado livres com não-católicos, quer em coisas sagradas, quer socialmente.
APOSTASIA, HERESIA E CISMA
Can. 2314
§I. Omnes a christiana fide apostate et omnes et singuli haeretici aut schismatici:
1°. Incurrunt ipso facto excommunicationem;
2°. Nisi moniti resipuerint, priventur beneficio, dignitate, pensione, officio aliove munere, si quod in Ecclesia habeant, infames declarentur, et clerici, iterata monitione, deponantur;
3°. Si sectae acatholicae nomen dederint vel publice adhaeserint, ipso facto infames sunt et, firmo praescripto can. 188, n. 4, clerici, monitione incassum praemissa, degradentur.
§2. Absolutio ab excommunicatione de qua in Si, in foro conscientiae impertienda, est speciali modo Sedi Apostolicae reservata. Si tamen delictum apostasiae, haeresis vel schismatis ad forum externum Ordinarii loci quovis modo deductum fuerit, etiam per voluntariam confessionem, idem Ordinarius, non vero Vicarius Generalis sine mandato speciali, resipirscentem, praevia abiuratione iuridice peracta aliisque servatis de iure servandis, sua auctoritate ordinaria in foro exteriore absolvere potest; ita vero absolutus, potest deinde a peccato absolvi a quolibet confessario in foro conscientiae. Abiuratio vero habetur iuridice peracta cum fit coram ipso Ordinario loci vel eius delegato et saltem duobus testibus.
[traduzindo]
Cânone 2314
§1. Todos os apóstatas da fé cristã e todos os hereges ou cismáticos:
1°. incorrem em excomunhão ipso facto;
2°. A menos que tenham sido avisados, serão privados de benefícios, dignidade, pensão, cargo ou outra função, se os tiverem na Igreja, serão declarados infames, e os clérigos, com repetidas advertências, serão depostos;
3°. Se deram o nome ou aderiram publicamente a uma seita não católica, são automaticamente infames e, segundo a firme disposição do cân. 188, n 4, os clérigos, tendo sido avisados sem sucesso, ficam degradados.
§2. A absolvição da excomunhão, que deve ser concedida, no fórum de consciência, é reservada de maneira especial à Sé Apostólica. Se, porém, o crime de apostasia, heresia ou cisma tiver sido levado ao foro externo do Ordinário local de qualquer forma, mesmo por confissão voluntária arrependendo-se, o mesmo Ordinário, não o Vigário Geral, sem mandato especial, tendo sido previamente executado legalmente por abjuração e outros preservados da lei, por sua autoridade ordinária poderá completar no foro externo a absolvição; tendo sido assim absolvido, pode então ser absolvido do pecado por qualquer confessor no foro de consciência. Mas a abjuração considera-se legalmente consumada quando se realiza na presença do Ordinário local ou do seu delegado e de pelo menos duas testemunhas.
§I. Todos os apóstatas da fé cristã e todos os hereges e cismáticos:
1°. Incorrem em excomunhão ipso facto, e
2°. A menos que se arrependam, serão privados de qualquer benefício, dignidade, pensão ou outro encargo que possam ter na Igreja, e serão declarados infames; os clérigos, após repetidas advertências, serão depostos;
3°. Se apóstatas, hereges ou cismáticos se juntaram a uma seita não-católica, ou se professaram publicamente membros dela, eles são por este mesmo facto (ipso facto) infames; os clérigos, depois de terem sido avisados com o efeito, devem ser degradados e os seus cargos ficam vagos.
1) O que significam os termos apóstatas, hereges, cismáticos, foi explicado no cân. 1325, §2. Todos os três pressupõem um batismo válido. Por apóstatas entende-se aqui todos os que se desviaram da fé cristã (devi a fide). Quanto ao resto, não importa se o apóstata abraçou o paganismo, o judaísmo, o maometanismo ou o ateísmo, ou se ele é um mero incrédulo. Portanto, também os Livres-pensadores devem ser incluídos no termo, porque rejeitam toda autoridade em questões de fé. No que diz respeito aos espíritas há margem para dúvidas. Pois embora seja bastante evidente que o Espiritismo como seita é herético, ou melhor, equivalente à apostasia, porque não retém quase nada especificamente cristão, ainda assim é possível, ou melhor, provável, que alguns de seus seguidores possam persuadir-se de que são católicos, e não pode, portanto, ser classificado entre os mencionados no cân. 2205, § 3. A eles pode ser aplicado o benefício da dúvida (cân. 209).
Hereges, segundo o cân. 1325, §2, são tais que negam obstinadamente um ou mais artigos de fé. Não é necessário filiar-se a uma seita não católica para ser herege no sentido do §1, n. 1.
Os cismáticos recusam a obediência ao Romano Pontífice e, portanto, estão fora da comunhão dos fiéis.
Esta separação também pode ocorrer com ou sem formação ou apego a doutrinas cismáticas. Desde o Concílio Vaticano, o cisma está geralmente ligado à heresia. Pois o cisma puro, isto é, a mera desobediência ao chefe legítimo da Igreja, sem pelo menos uma dúvida especulativa positiva na sua divindade, não é facilmente crível, exceto nos indivíduos.
O crime de apostasia, heresia ou cisma deve ser manifestado exteriormente, seja em palavras, escritos ou atos que traem a deserção da Igreja Cristã, a negação de algum artigo de fé ou a separação da unidade da Igreja, de acordo com Cân. 2.195, §I; porque a apostasia, a heresia ou o cisma meramente internos não pertencem ao foro externo e, portanto, não se destinam aqui. Das transgressões meramente internas, ainda que gravemente pecaminosas, qualquer confessor pode absolver.
2) As penas aqui enunciadas são duplas: censura e penas vingativas; além disso, faz-se uma distinção, segundo o Cân. 2207, n. 1, por motivo de dignidade, entre leigos e clérigos. [quanto maior o cargo, mais grave deve ser a pena, por causa do escândalo, etc. - N. do T.]
a) A censura infligida é a excomunhão incorrida ipso facto, que por si só não exige sequer uma sentença declaratória. Somente se, no prudente julgamento do superior, o bem público exigir tal sentença, ela então deverá ser pronunciada. O bonum publicum certamente exige isso no caso dos clérigos. Note-se que o termo moniti (SI, n. 2) [Avisos, admoestação – N. do T.] não se refere à ocorrência da censura. Consequentemente, nenhuma advertência ou advertência canônica é necessária.
b) As penas vingativas infligidas são:
Para os leigos: privação de todos os cargos e pensões que possam ocupar na Igreja e infâmia.
Para os clérigos: privação de qualquer benefício, dignidade, pensão ou cargo que possam exercer; também infâmia e, após uma advertência infrutífera, deposição.
Uma advertência deve preceder estas penas vingativas, e supomos que a advertência deve ser administrada de acordo com o cân. 2143, isto é, perante um oficial da diocese ou duas testemunhas, ou por carta registada. A infâmia infligida tanto aos leigos como aos clérigos, e o depoimento proferido contra os clérigos, são ferendae sententiae. [requer uma sentença do superior, note-se que aqui não se refere ao item a; censura - N. do T.]
O depoimento exige uma segunda advertência após a primeira ter sido cumprida, com a ameaça de privação e infâmia.
3) As penas vingativas tornam-se mais severas em dois casos, que podem ser distintos, mas também podem ocorrer por um mesmo ato: sectae acatholicae nomen dare ou publice adhaerere.
Uma seita significa uma sociedade religiosa estabelecida em oposição à Igreja, quer seja constituída por infiéis, pagãos, judeus, muçulmanos, não-católicos ou cismáticos.
Tornar-se membro de tal sociedade (nomen dare) significa inscrever o nome de alguém em sua lista. É claro que se presume que o novo membro sabe que se trata de uma sociedade não-católica, caso contrário não incorreria na censura. Se ele souber da censura depois de se tornar um membro, e prontamente cortar sua conexão, a penalidade não será incorrida.
O texto também prevê casos de adesão informal. Publice adhaerere significa pertencer publicamente a uma seita não católica. Isto pode ser feito frequentando os seus serviços sem qualquer causa ou motivo especial, ou vangloriando-se de ser membro, embora não inscrito, usando um distintivo ou emblema indicativo de membro, etc. tornam-se infames (infamia iris latae sententiae) [ipso facto- N. do T.] e, consequentemente, o Can. 2294, § 1, [consequências da infâmia – N. do T] deve-lhes ser aplicado.
O clérigo deve, além disso, ser degradado se, depois de devidamente avisado, persistir em ser membro de tal sociedade. Todos os cargos que venha a ocupar ficam vagos, ipso facto, sem qualquer declaração adicional. Trata-se de renúncia tácita reconhecida por lei e, portanto, a vaga é de facto e iure. Não é necessário acrescentar que a excomunhão segue em cada caso, embora as penas vingativas sejam mencionadas apenas em 2° e 3°.
Pode não ser errado acrescentar que as penalidades decretadas para apostasia, heresia e cisma pressupõem malícia (dols), conforme explicado acima no cân. 2200. [vontade deliberada de transgredir a lei, e se foi um fato certo de crime, presume-se intenção até que se prove o contrário, e também a responsabilidade criminal existe mesmo se o perpetuador não tivesse intenção de cometer o crime – N. do T.] Consequentemente, se alguém conservasse interiormente a fé cristã, mas agisse exteriormente como apóstata ou herege, - o que seria uma hipocrisia detestável, - não incorreria nas penas in foro interno, mas no foro externo a presunção estaria contra ele, e a prova de sua deserção interna caberia a quem a afirmasse, conforme o cân. 2200, §2.
§2º Trata da absolvição no foro interno e externo, e da abjuração.
1°. Absolvição da excomunhão, mencionada em § 1, é reservado à Sé Apostólica speciali modo, na medida em que seja comunicado apenas no tribunal de consciência.
Quanto a esta absolvição, aplicam-se as regras estabelecidas nos cânones a serem consultados no número 2248-2254; em caso de dúvida razoável, cân. 209. Os Ordinários necessitam de uma faculdade especial para se absolverem desta censura.
2°. A absolvição no foro externo pode ser concedida pelo Ordinário local (mas não pelo Vigário Geral, sem comissão especial) nas seguintes circunstâncias:
a) Se o crime de apostasia, heresia ou cisma tiver sido de alguma forma levado perante o tribunal externo do Ordinário local;
b) Se o delinquente estiver arrependido, e
c) Se ele renunciar ao seu erro de forma jurídica e cumprir todas as demais condições prescritas.
Sobre o a); juridicamente o crime é perante o tribunal externo do Ordinário local se a citação tiver sido devidamente emitida.
No entanto, uma vez que o Código acrescenta: " quoquo modo ad forum deductum" [de qualquer modo conduzido ao foro] podemos adotar a opinião de Santo Afonso, que seria suficiente que o crime tivesse sido provado ao juiz eclesiástico por pelo menos uma testemunha. Isto é tanto mais aceitável quando o nosso texto admite a confissão voluntária, que certamente pode ser feita por escrito ou através de outra pessoa. Isto nada mais é do que o sponte comparere, comparecer por vontade própria, perante o Santo Ofício ou o Ordinário local - fórmula encontrada em decisões anteriores.
Sobre o b); O arrependimento deve ser efetuado por acusação espontânea, mas também significa que a recaída deve ser tratada com mais severidade, embora o Código não o torne uma condição de absolvição.
Sobre o c); A abjuração deve ser feita segundo a fórmula contida no Pontifício e Ritual Romano.
Constitui abjuração jurídica se for feita perante o Ordinário local ou seu delegado e pelo menos duas testemunhas.
Daí poder ser delegado para o efeito o vigário-geral, ou o reitor rural, ou qualquer outro sacerdote. Observe, entretanto, que os superiores religiosos; como tais, embora isentos, não podem receber esta abjuração jurídica, porque se trata de questões de fé, nas quais não são competentes, embora, é claro, possam atuar como delegados do Ordinário local.
Aqui pode ser apropriado chamar a atenção para os regulamentos emitidos pelo Santo Ofício relativos à forma de absolvição em casos de batismo duvidoso. A mesma S. Congregação determinou que meninos e meninas menores de quatorze anos não precisam pronunciar a abjuração, mas devem fazer uma simples profissão de fé, após a qual poderão se reconciliar com a Igreja.
Estas são a servanda de iure, visando; garantia do Batismo, confissão sacramental e penitência salutar.
4) Depois de absolvido no foro externo, o penitente pode ser absolvido do seu pecado por qualquer confessor no tribunal de consciência (cân. 2.251). A razão pela qual a absolvição in foro externo é exigida pode ser deduzida de certas decisões do Santo Ofício. A razão é que o penitente poderia, de outra forma, se o crime foi notório ou público, ser processado pelo Santo Ofício ou pelo Ordinário local. Portanto, ele deveria receber um certificado de absolvição. Isto é tanto mais importante sendo que as outras penas não são levantadas por esta absolvição, que se refere apenas à excomunhão. Portanto, deve ser concedida uma dispensa das penas vingativas, conforme o cân. 2289.
Um leigo, por exemplo, que possuísse um título ou condecoração ou ordem de cavalaria do Papa, teria perdido essa dignidade e, portanto, seria necessária uma dispensa. No entanto, parece conforme à opinião do legislador que o Ordinário, que pode absolver da pena mais pesada (excomunhão), também tenha o direito de dispensar da pena vingativa.
Traduzido por Jorge Meri, 03 de outubro de 2023, dia de Santa Tereza do menino Jesus.
Livro original em inglês;
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